Belluzzo: as dimensões da crise do capitalismo
Na abertura do seminário “Estudos avançados — Marx, a finança e a crise do capitalismo”, promovido pela Escola Nacional de Formação do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), na noite de sexta-feira (26), o professor Luiz Gonzaga Belluzzo comentou a conjuntura da crise que se arrasta desde 2007, com base nas formulações do seu livro “O Capital e suas metamorfoses”, cujo lançamento ocorreu após a abertura do evento. A mesa foi coordenada pelo diretor de estudos e pesquisa da Fundação Maurício Grabois, Aloísio Sérgio Rocha Barroso.
Segundo o professor Belluzzo, as manifestações que percorreram as ruas do país guarda semelhança com as de 1968, quando também havia, como cenário, um processo de mudanças em curso. Nestas, porém, ressaltou o professor, o que há é uma derrota do processo progressista do pós-Segunda Guerra Mundial.
Segundo ele, aquele período no qual foi possível avançar substancialmente nas conquistas sociais foi substituído por outro, de retrocessos significativos. A partir dos anos 1970, disse Belluzzo, iniciou-se uma transição para o neoliberalismo, que representou, nos anos 1980 e 1990, “uma fragorosa derrota política”. Para ele, o neoliberalismo não é fruto dos economistas neoliberais — ele emergiu da derrota política das forças sociais que apoiaram a construção do Estado de Bem-estar Social, a dita “era keinesiana”.
Nessas transformações, paradoxalmente, a internacionalização capitalista deu oportunidade para que surgissem outras experiências de construção do socialismo, como é o caso chinês, avaliou. Pode parecer um paradoxo, mas não é, enfatizou Belluzzo. Segundo ele, não dá para separar a experiência chinesa da proposta internacional feita pelo capitalismo. E ressalta que enquanto os chineses avançaram, o Brasil recuou; o país sul-americano era o mais industrializado da chamada periferia e perdeu essa primazia para a China porque não percebeu a natureza da mudança. Belluzzo destacou que os chineses perceberam perfeitamente a essência do problema e a partir dessa compreensão construíram seu projeto nacional.
Mega
A partir dessa análise conjuntural e histórica, ele passou a explicar o conteúdo do seu livro. Segundo professor, a obra foi escrita com o conteúdo de suas aulas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O debate marxista, apesar de restrito, avançou muito nos últimos anos, sobretudo depois que foram descobertos os manuscritos do Mega 2 (abreviação alemã da Marx Engels Gesamtausgabe)”, disse ele.
A descoberta, avaliou Belluzzo, possibilitou também o avanço na interpretação dosGrundisse e ajudou muito para que se compreendesse qual foi a trajetória do Marx. “Eu procurei olhar para O Capital a partir da crise financeira, e investigar se de fato Marx havia incluído nas suas preocupações a ocorrência de uma crise comandada pela finança. Eu fui analisar os alfarrábios, inclusive os escritos dele no New Yok Tribune, onde ele escreveu muito, e encontrei um artigo de 1852, que fala do episódio da falência do Crédit Mobilier”, comentou.
(A política econômica de Napoleão III — que tinha a pretensão de dirigir toda a França e ser o promotor e o patrão de uma nova harmonia e prosperidade social — tinha como principal alicerce sua política financeira tipificada pelo Crédit Mobilier. Fundado em 1852, pelos saint-simonianos irmãos Péreire (Émile e Isaac), apadrinhados pelo Imperador, o Crédit Mobilier era considerado por Marx “como um dos maiores fenômenos econômicos de nossa época” e visto como “um dos termômetros econômicos”, razão que o levou a escrever alguns artigos nos quais revela seu mecanismo de concentração de capital sob a proteção do Estado bonapartista. Na verdade, essa criação dos irmãos Péreire era um banco por ações, forma pioneira de sociedade anônima, destinada a financiar investimentos da indústria de obras públicas — indústria pesada e meios de comunicação – a partir da captação de recursos de pequenos investidores pelo lançamento de títulos de curto prazo na Bolsa. Essa operação inovadora no sistema bancário francês significava para Marx “fazer a indústria de serviços públicos em geral dependente do favor do Crédit Mobiler, e, portanto, do favor individual de Bonaparte, sob cuja respiração a existência da sociedade está suspensa”.)
A partir das categorias de O Capital, disse Belluzzo, ele formulou sua análise. E constatou que Marx e começou a detalhar as formas particulares do capital no terceiro volume da obra. Até então, ele havia analisado as categorias do capital em geral. Segundo o professor, Marx trabalhou intensamente a dialética do abstrato e do concreto. E assim ele desvendou as formas mais desenvolvidas do que ele chama de "regime do capital", detalhou. As formas capital a juros, capital comercial e capital fictício.
Bicho
Belluzzo afirmou que a categoria capital fictício tem em Marx uma importância muito maior do que os marxistas até agora concederam a ela. “Porque diz respeito sobretudo a uma forma suprema da existência da riqueza, no regime do capital”, comentou. Segundo o professor, Marx não fez a história do capitalismo; ele na verdade discutiu as suas metamorfoses. “Por isso, meu livro se chama As metamorfoses da forma valor”, revelou. “Eu não trato do valor. Eu trato da forma mais abstrata de existência da riqueza do capitalismo, que é a mercadoria. Então, eu vou fazer uma fenomenologia da existência da mercadoria, olhar a mercadoria como forma da existência da riqueza, como forma elementar e mais abstrata da existência do capitalismo”, explicou.
Para Belluzzo, o capital fictício, que se forma por conta do movimento de expansão do capitalismo, precisa ser posto “sobre estrita vigilância e controle”. Segundo ele, o bicho estava enjaulado e foi solto quando os mecanismos de controle do pós-Guerra foram estourados por dentro nos anos 1970 e 1980, dando lugar ao neoliberalismo. No Brasil, por exemplo, o Estado está tomado, há tempos, pelos interesses particularistas e privados, que definem os rumos da política econômica, operam dentro dela e impedem a aplicação de medidas voltadas para o os interesses da maioria da população. “O que estamos assistindo hoje é esse massacre da política do Estado pelos interesses privados que estão representados na mídia brasileira, que faz parte desse negócio”, comentou.
Juventude
Por conta dessa armação, Belluzzo compreende que os jovens que protestam nas ruas não conseguem ver as forças reais que estão por trás das dificuldades que eles enfrentam. Ele concluiu dizendo que essa crise coloca desafios importantes, que não foram respondidos. Os bancos centrais salvaram os sistemas financeiros, mas uma nova bolha especulativa já está se formando. “Estão produzindo outra bolha, com os mesmo métodos”, constatou. Por isso, analisou, é muito importante o projeto dos Bric de criar um fundo de estabilização, conduzido, sobretudo, por Brasil, China e Rússia.
Para Belluzzo, a crise atinge também os valores da humanidade — os da autonomia do indivíduo, da liberdade, da igualdade. “São valores que estão em questão, que não vão ser resolvidos por uma remontagem do capitalismo. É isso que vamos enfrentar, porque o emprego e a renda dos de baixo vão sofrer muito. Teremos uma desigualdade violenta. É isso que nos espera se não nos mobilizarmos”, concluiu.
* Por Osvaldo Bertolino
* Por Osvaldo Bertolino
fonte:http://grabois.org.br
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