Do “nunca antes” ao “finalmente depois”?:
tarefas do novo governo brasileiro
Paulo Roberto de Almeida*
O governo que começa em 1o. de janeiro de 2011 é inédito e excepcional a mais de um título. Inédito porque liderado por uma personalidade que jamais tinha percorrido antes a trilha das disputas eleitorais, sequer para uma simples vereança. Ela chega ao cargo supremo da nação na condição de ungida absoluta pelo seu inventor carismático, tendo já sido chamada de “criatura eleitoral”. Nunca antes no Brasil, alguém, tirado literalmente do bolso do colete, sem qualquer experiência eleitoral anterior, tinha sido alçado à chefia do Estado por meio de um “dedaço” presidencial. O novo governo também é excepcional porque toda as mensagens de campanha, todas as promessas feitas pela candidata indicada – e beneficiada pelo sucesso presidencial – correspondem ao exato contrário do que sempre pregou, preconizou ou propôs como políticas para o país o principal partido que lhe dá sustentação. Ocorreram, inclusive, diversas controvérsias, ao longo da campanha presidencial, a partir do que dizia – e se desdizia – a candidata oficial, em relação às propostas e programas aprovados anteriormente nas instâncias partidárias. Essas contradições foram logo caracterizadas como “boatos falsos” e imputadas à campanha oposicionista, mas elas correspondiam a diversos pontos sensíveis para a opinião pública e para os eleitores, o que obrigou a candidata a recuos táticos e estratégicos. A despeito desses aspectos curiosos e inovadores, do ponto de vista da história política brasileira, e independentemente da constatação já feita de que a sombra do presidente carismático continuará a pairar sobre a candidata eleita e sobre a presidente empossada – fato, aliás, já presente na formação de seu governo e nas principais orientações de políticas públicas, o que pode lançar dúvidas sobre sua autonomia futura e capacidade própria de liderança –, não se pode obscurecer a realidade que o núcleo central do processo decisório estará concentrado, a partir de 1o. de janeiro de 2011, no novo ocupante do Palácio do Planalto, cabendo-lhe em consequência assumir a responsabilidade pelas opções políticas a serem adotadas desde então. Cabe ainda observar, antes de iniciar o exame dos desafios que aguardam o novo governo, que a aparente unanimidade de que desfrutaria seu principal mentor – que contaria, teoricamente, com 4/5 de aprovação popular – não se transmutou em um resultado eleitoral incontestável para a nova presidente, eleita com menos da metade do corpo eleitoral e com votos concentrados em regiões e estados menos avançados do ponto de vista socioeconômico. A sociedade parece ter se dividido, com uma tendência corporativa muito forte, de um lado – constituída por organizações alimentadas e estimuladas pelo governo, com recursos do Estado –, e uma difusa sociedade civil, de outro lado, legitimamente preocupada com o aumento da corrupção, as ameaças às liberdades democráticas e de controle dos meios de expressão. Quando se comparam os mapas eleitorais do Brasil em 2002 e em 2010, em nível de microrregiões, se pode perceber a nítida transmigração dos votos do principal partido de sustentação do governo nesse período das unidades federativas mais desenvolvidas para as mais atrasadas – e dependentes da ação do governo, numa reprodução do antigo sistema do coronelato – bem como sua base urbana vinculada ao sindicalismo também dependente e agora amarrado ao Estado, com forte ênfase no funcionalismo público. Esses fatores de divisão do país provavelmente se aprofundarão no futuro imediato e tenderão a exercer maior influência em eleições posteriores, podendo conduzir o Brasil a fenômenos de decadência institucional similares a experiências já conhecidas na região – como, por exemplo, a contínua erosão peronista na Argentina – ou em outros lugares – como a longa deterioração trabalhista na Grã- Bretanha pré-Tatcher. Uma herança espinhosa Ao tomar posse, em 1o. de janeiro de 2011, a nova presidente terá pela frente uma lista pesada de tarefas, uma série completa de encargos que ficaram parados nos últimos oito anos ou até tiveram sua condição agravada por inapetência absoluta do chefe de Estado por reformas consistentes capazes de estimular o crescimento em bases equilibradas. Esse crescimento deveria vir, preferencialmente, pelo investimento privado, o mais capaz de criar empregos e de distribuir renda, por meio dos mecanismos habituais de mercado. Em lugar disso, tivemos um crescimento basicamente estimulado pela demanda externa e pelos estímulos produzidos pelo Estado, sob forma de crédito público e políticas setoriais. A contrapartida, obviamente, foi o crescimento contínuo da carga fiscal, em volume superior aos incentivos injetados na economia. De 2003 a 2008, o Brasil foi beneficiado pelo crescimento dinâmico da economia mundial, em especial pela valorização das commodities exportadas e pela excepcional voracidade chinesas pelos produtos brasileiros. O Brasil também enfrentou a crise de 2008-2009 em melhores condições do que nas experiências precedentes (nos anos 1980 e 90), sobretudo porque o governo anterior havia lançado as bases de uma boa gestão macroeconômica, políticas que o governo Lula teve o bom senso de não descartar (ainda que as tenha abalado aqui e ali). Existe a percepção de que o governo criou as bases do crescimento sustentado, quando na verdade ele preservou o mix de políticas herdadas do governo anterior, sem contudo empreender novas reformas, ou continuar o processo então em curso no momento da assunção. As tarefas a serem empreendidas no governo que tem início em 1o. de janeiro de 2011 são desafiadoras porque justamente o governo que termina deixou os problemas se acumularem – talvez até se agravarem – sem se dispor a enfrentá-los. Não se pode dizer que tenha havido falta de base congressual, embora obstáculos pontuais possam ter surgido no Senado, uma vez que o governo pode comprar, literalmente, os apoios de que necessita para projetos de seu interesse. Pode ser que tenha ocorrido mais uma manifestação do mesmo fenômeno que os atuais dirigentes acusavam os anteriores de praticar, quando eles mesmos se encontravam na oposição, qual seja: falta de vontade política (o que, a rigor, não quer dizer absolutamente nada). O que segue não pretende ser um “manual de instruções” para o próximo governo, mas pode ser lido, ainda
assim, como um conjunto de tarefas a serem realizadas, em função de uma percepção de cunho acadêmico – ou seja, não cingida pelas realidades do sistema de poder – quanto às reformas modernizantes de que o Brasil carece, na estrutura política e na vida econômica, com vistas a preparar o país para um salto de qualidade em termos de prosperidade e bem-estar para o seu povo, bem como para aperfeiçoar seu modo de inserção internacional. Poder-se-ia, de imediato, colocar a questão da reforma política em primeiro lugar, por muitos considerada como a chave-mestra de todas as demais reformas, mas justamente tendo em vista a complexidade do empreendimento, e as características “especiais” do sistema político brasileiro, cabe reconhecer que fazer dessa reforma a condição essencial para empreender todas as demais poderia significar a paralisação de todo o conjunto de tarefas tidas como relevantes para a modernização brasileira. Inverter a deterioração progressiva das contas públicas Muitos economistas já se referiram à bomba-relógio fiscal em fase de montagem, podendo explodir em algum momento dos próximos anos, embora não se possa ter certeza do calendário, pois muito depende do comportamento do governo no futuro imediato. O fato é que o Brasil assistiu, sobretudo no segundo mandato de Lula, a uma trajetória irresponsável de aumento constante dos gastos públicos para fins não diretamente produtivos. Isso foi possível apenas com base em dois processos deletérios que podem conduzir a um esgotamento dessas possibilidades mais à frente: um aumento da pressão fiscal sobre os agentes diretamente produtivos e sobre a renda da classe média e um crescimento da carga tributária muito acima dos indicadores de crescimento do PIB e da inflação. Teoricamente, não existe um limite estrito para a expansão da carga tributária: ela pode, hipoteticamente, superar 40% do PIB, ou mesmo ir mais além, como em certos países nórdicos. Mesmo que não o faça, é também um fato que o Brasil representa uma anomalia tributária para países de renda per capita igual à sua, o que não parece comover os partidários de um Estado atuante, se possível empreendedor, ao menos “distribuidor” da riqueza gerada pela sociedade. O grande problema desse tipo de visão é que ela obscurece a diferença fundamental entre os gastos realizados no Brasil e os de outros países, onde eles podem reverter em serviços públicos de qualidade, no provimento de infra-estrutura física compatível com as necessidades da atividade econômica privada ou em melhorias da produtividade dos recursos humanos, o que não parece ser o caso aqui, onde muitos desses gastos são concentrados no próprio Estado ou se dirigem a programas sociais de escassa interação com a atividade produtiva. Cessar o desmantelamento das instituições públicas O funcionamento do Congresso talvez seja o aspecto mais visível dessa erosão da institucionalidade no Brasil, mas outros poderes – entre eles o Judiciário – tampouco ficaram imunes aos assaltos do poder executivo e às deformações de suas próprias disfuncionalidades. Foram notórias as reclamações do chefe de Estado contra os órgãos de controle, necessariamente e constitucionalmente envolvidos na avaliação dos gastos públicos, sendo que o Congresso não obriga, por exemplo, o executivo a cumprir as determinações do TCU. Também é evidente o assalto a empresas e agências públicas por militantes partidários não especialmente preparados para exercer certos cargos diretivos, assim como a criação exagerada de novas agências e empresas públicas, imediatamente povoadas com os mesmos interesses corporativos. A despeito do recrutamento por mérito constituir hoje um padrão comum na burocracia pública – melhorando progressivamente a qualidade da administração pública – existe ainda um volume excessivamente elevado de
cargos de confiança (aliás continuamente criados no âmbito dos executivos e dos legislativos nos diversos níveis da federação), da mesma forma como são notórias as práticas de nepotismo nas diversas esferas do Estado, inclusive no Judiciário, com disfarces que contornam a legislação restritiva (como o nepotismo cruzado, por exemplo). Nas universidades, são conhecidos muitos casos de bancas adrede preparadas para aprovar candidatos previamente designados, assim como não se pretende avançar muito rapidamente no caminho da cobrança de resultados ou em simples exigências de produtividade, para não falar do mito da dedicação exclusiva. De forma geral, a proliferação de concursos públicos gerou toda uma indústria de cursinhos preparatórios e mecanismos de elaboração de testes e provas que não raro descambam para a fraude deliberada. Na verdade, todos esses processos de deterioração das instituições públicas são concomitantes com o próprio crescimento do Estado, que por sua vez gera uma expansão do volume de recursos manipulados por seu intermédio, redundando, em última instância, no aumento das possibilidades de desvio desses recursos ou mesmo de corrupção, pura e simples. Difícil não chegar à conclusão de que os fatores causais são esses mesmos, embora esse tipo de constatação, bastante elementar, aliás, não seja previsivelmente partilhado pela maior parte da base de apoio do novo governo, composta, essencialmente, de estatizantes convencidos. Pode-se, assim, ser moderadamente pessimista quanto às possibilidades de mudanças nesse terreno. Efetuar uma séria reforma fiscal, com diminuição da carga tributária Este encargo está obviamente vinculado ao primeiro, pois ele tem a ver com o excesso de gastos do governo, obviamente, mas aqui existem ainda dois enormes complicadores. O primeiro é que o tema não tem a ver apenas com o governo federal, como se bastasse enviar um projeto para o Congresso prometendo, por exemplo, reduzir em meio ponto anualmente a carga tributária total – com uma ponderação dos impostos a serem gradualmente reduzidos – para que o milagre fosse feito: existem impostos divididos com estados e municípios e existem contribuições que pertencem somente ao governo central, e os apetites são enormes de todos os lados e mutuamente excludentes ou contraditórios. O segundo problema é que, justamente, o governo atual criou novas fontes de despesas permanentes que representam gastos encomendados a perder de vista, comprometendo não apenas o equilíbrio de todos os orçamentos futuros, mas tornando virtualmente impossível qualquer previsão ou projeto de redução da arrecadação compulsória. Mas estas são questões vistas do lado do governo. Do lado da sociedade, a realidade é que os empresários brasileiros não estão conseguindo
competir com a produção estrangeira de menor custo e melhor qualidade exatamente em função da enorme carga tributária que são obrigados a suportar, ademais do custo do capital e da folha salarial, todas as insuficiências
logísticas e de infra-estrutura, quando não os custos associados a transportes e comunicações, que, conjuntamente, oneram terrivelmente a produção brasileira no confronto com a oferta similar estrangeira. Não adianta o governo procurar resolver isso pelo lado do câmbio, apenas, ou, pior, recorrendo ao velho protecionismo comercial. Enquanto não se resolver a questão do custo Brasil, nenhum expediente setorial, na área cambial ou comercial, conseguirá evitar a chamada “desindustrialização” brasileira – que é em grande medida um mito e um exagero – ou a alegada “commoditização” da pauta de
exportações. A despeito de que a reforma fiscal – com diminuição dos gastos do governo – e a desoneração tributária sejam tarefas de primeira importância – não para o governo, mas para a sociedade, como um todo – é pouco provável que elas sejam conduzidas num horizonte previsível. O tema vem sendo debatido praticamente desde que a Constituição de 1988 criou novos focos de despesas para o Estado sem atribuir novas fontes de receitas, o que obrigou o governo central, e vários estaduais e municipais, a criar novos impostos ou contribuições que abastecessem seus respectivos tesouros. As demandas dos empresários atravessaram governo após governo, sem que eles se decidissem empreender seriamente um debate a respeito, dando curso, ao contrário a todo tipo de expediente extrativo capaz de satisfazer suas crescentes necessidades. Impossível, portanto, não chegar, como no caso anterior, a uma conclusão pessimista – desta vez enfaticamente pessimista – em relação às possibilidades de reforma fiscal e alívio tributário no governo que tem início em janeiro de 2011. Antecipar uma solução à prometida crise do balanço de pagamentos Aqui se trata mais de uma possibilidade do que uma certeza, mas as nuvens continuam a se acumular no horizonte, prevendo um agravamento do déficit de transações correntes num período de no máximo dois a três anos. A razão é muito simples: com a valorização cambial e a perda de competitividade dos produtos manufaturados brasileiros, a situação da balança comercial tende a se aprofundar no vermelho, gerando um déficit em transações correntes, já que os serviços sempre foram cronicamente deficitários no Brasil. Por enquanto existe um financiamento desse diferencial, em razão da atratividade da taxa de juros brasileira em face de valores praticamente negativos nos principais centros financeiros, mas a situação pode se inverter quando os chamados mercados perceberem a trajetória insustável das contas externas brasileiras (mesmo com o enorme volume de reservas acumuladas nos últimos quatro anos). Em função disso, pode começar uma saída de capitais que precipitará uma crise mais adiante. Para evitar esse quadro, o governo que entra vai tentar ser mais “ativista”, mas ele o fará, provavelmente, no pior sentido da expressão: adotando os remédios errados, que vão paliar temporariamente a situação, mas que vão se refletir mais
adiante, numa situação insustentável no plano cambial e fiscal, e que se traduzirá em menor bem-estar para a população, pois que refletida em maior desemprego setorial e menor crescimento da renda. Em lugar de atacar os problemas reais – que são o custo Brasil, refletido na tributação excessiva, e o desequilíbrio das contas públicas, que se refletem nos juros altos –, o governo vai fazer aquilo que querem os empresários (que são aqueles que o financiam): vai atuar sobre o câmbio, para desvalorizá-lo, e sobre os juros, para baixá-los, ambos politicamente. Isso sem falar que vem aí nova rodada de protecionismo explícito: novas tarifas, novas salvaguardas, novos antidumpings, que só refletem o desespero de industriais e burocratas governamentais (supostamente legitimados pela concorrência desleal do exterior). Na verdade, a única concorrência desleal que existe no Brasil é da carga tributária extorsiva, que simplesmente torna poucos competitivos os produtos manufaturados brasileiros nos mercados internacionais. O paliativo de subsídios e incentivos fiscais é a outra falsa solução, de caráter setorial, que o governo vai oferecer, introduzindo novas distorções num cenário produtivo já suficientemente confuso e caótico. Ou seja, mais uma vez, as previsões podem ser consideradas pessimistas, já que as tarefas efetivamente importantes não serão introduzidas, intervindo em seu lugar paliativos que apenas agravam o problema no médio prazo. Fazer as reformas administrativa e laboral; limitar as greves corporativas Em uma coisa pode-se dizer que o Brasil se parece com a França: falou em reformas nos planos administrativo e trabalhista, pode-se ter certeza de que a resposta é o anúncio de uma greve no dia seguinte. Nunca antes neste país foi tão difícil conduzir um debate ponderado sobre o suicídio que representa para a própria classe trabalhadora o fato de que os encargos trabalhistas e previdenciários ocupam uma segunda folha de pagamentos, ao lado das despesas simplesmente salariais. Nunca antes neste país, tampouco, a sociedade se tornou tão refém, e indefesa, dos grevistas do setor público, verdadeiros déspotas atuando em serviços essenciais à população e chantageando o Estado com a paralisação puramente política – e salarial, claro – de suas atividades, até atingirem seus objetivos (geralmente a isonomia, sempre pelo alto, com categorias de marajás do serviço público). A estabilidade no setor público é um dos mais nefastos traços da burocracia estatal, já que ela é um fator conducente a baixos níveis de produtividade e até a certa ineficiência setorial. O mais relevante, porém, do ponto de vista da dinâmica econômica, são os altos encargos trabalhistas e as regras laborais extremamente rígidas, o que torna o processo produtivo excessivamente oneroso no Brasil e reduz a empregabilidade da mão-deobra. Sindicalistas e acadêmicos se opõem à chamada “flexibilização” da legislação trabalhista, sob justificativa de defesa dos “direitos dos trabalhadores”, mas o fato é que eles estão inviabilizando, a médio prazo, a preservação dos empregos de seus protegidos, além de contribuírem, obviamente, para a diminuição do nível geral de emprego na economia ao elevarem artificialmente os custos de contratação (e de demissão também, obviamente). Observando-se, contudo, a base de apoio político e social do governo, não é plausível que alguma reforma laboral seja efetuada nos próximos anos, que assistirão, ademais, ao reforço do já extenso poder sindical sobre setores amplos da administração pública, atando de maneira particularmente perversa a atuação de sindicatos e suas respectivas centrais aos favores do Estado, no qual eles se alimentam e a que servem como bons pelegos em que se converteram. Iniciar uma revolução educacional com foco na formação dos professores A educação de que se fala aqui é especialmente a fundamental, a média e a técnico-profissional, já que ao terceiro ciclo se deveria dar completa autonomia de gestão, inclusive quanto às formas de complementar seus orçamentos operacionais. O fator mais negativo na melhoria dos padrões de qualidade da educação brasileira, em todos os níveis, é a chamada isonomia, o que obviamente nivela por baixo o desempenho de educadores no exercício de sua missão. A estabilidade – só existente no setor público, evidentemente – também atua como um obstáculo às possibilidades de mincremento do potencial individual dos mestres e professores, ao lado de práticas pedagógicas absolutamente anacrônicas, e que vem se perpetuando desde um suposto “método Paulo Freire” passou a servir de paradigma da missão educativa. Tampouco aqui devemos ter a ilusão de que propostas de reformas – além das óbvias demandas por aumento dos padrões de remuneração de toda a categoria, claro que “isonomicamente” – se encaminharão no sentido requerido pela necessidade de superar as imensas
deficiências do ensino no Brasil, visíveis em quaisquer exames comparativos de âmbito internacional. O terceiro ciclo continuará a absorver o essencial das energias e das verbas das agências públicas encarregadas da educação, ao passo que os dois primeiros e o ensino profissional se manterão em patamares não muito distantes de onde se encontram atualmente. A melhoria dos padrões, numa revolução hipotética, dependeria justamente da remuneração por mérito – com o fim da isonomia e a criação de novas carreiras, sem estabilidade – e de um investimento maciço na formação de professores e de transformação dos padrões curriculares, num sentido totalmente diverso do que vem sendo perseguido até aqui. As chances de que se adote um caminho desse tipo são próximas de zero, com o que a educação brasileira continuará a arrastar-se na mediocridade pelo futuro previsível. Existiriam várias outras tarefas a serem empreendidas num governo que se pretenda verdadeira reformista, mas as que figuram acima já constituem um conjunto de trabalhos que podem ser considerados hercúleos, pelo seu escopo e impacto na sociedade. Por isso mesmo eles não serão empreendidos em absoluto, ou alguns deles poderão ter algum encaminhamento parcial. Na frente externa, por exemplo, caberia encerrar o ciclo de apoio a ditadores e a violadores dos direitos humanos, que manchou a diplomacia brasileira numa fase ainda recente, mas pode-se reconhecer que essa não é uma prioridade que tenha impacto sobre a população brasileira, e sim sobre a credibilidade da política externa nacional. Ainda na frente externa, caberia revisar os acordos de integração, num sentido verdadeiramente livrecambista, que é o mandato original do Mercosul, além da atitude a ser adotada em relação ao capital estrangeiro, ainda objeto de medos irracionais na era da globalização. Não é seguro que qualquer uma das tarefas aqui listadas venha a ser empreendida no decurso do próximo quadriênio, embora elas possam ser tocadas, direta ou indiretamente, pela própria força da dinâmica econômica, política e social, que impõe agendas e missões aos governantes às quais eles têm de dar respostas. Depois de dois quadriênios de excessivo personalismo na condução dos negócios do Estado, seria de se esperar que uma administração mais conforme aos padrões de uma burocracia moderna se abre a um debate não unilateral com a sociedade, como foi o caso até aqui, quando o que se observou foi praticamente um discurso a cada dia. A mvolta a um perfil mais “normal” de administração pública talvez consiga libertar o Brasil de mitos salvacionistas que costumam congelar a nação numa fase pré-moderna de organização política nacional. Cabe observar, portanto, como vai se desenvolver o próximo governo: se ele vai continuar dependente da figura mítica, ou se ele vai assumir plenamente as rédeas do poder e imprimir um perfil próprio às suas decisões. A crença equivocada nas virtudes redentoras de uma determinada liderança popular é o caminho mais curto para a esclerose política e uma das vias possíveis para uma dominação carismática de tipo autoritário. O Brasil já avançou bastante na construção de msua democracia para retroceder a esse ponto. Em qualquer hipótese, depois de tanta bazófia em torno do “nunca antes”, a nação tem o direito de esperar um “finalmente depois”. Os votos de sucesso ao novo governo.
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