OS NOVOS POBRES
Frei Betto (*)
Fala-se hoje de emergentes – o setor da sociedade que nasceu pobre, não tem curso superior e, agora, é rico. Como a semântica altera-se com o tempo, emergente é o que outrora chamava-se de "novo rico" (como diria o Faustão, performance era desempenho, fast-food era lanchonete, acusar era meter o pau). Um dos fenômenos mais significativos do neoliberalismo é a progressiva quantidade de novos pobres – os emergentes. As medidas de estabilização e ajustes impostas aos Brasil pelo FMI e Banco Mundial caracterizam-se por salvar a moeda e ignorar a questão social.
Essas reformas monetaristas congelam os salários e empurram para baixo da linha de pobreza amplos setores da classe média, bem como assalariados dos setores industrial e de serviços. Na América Latina, vivem na pobreza cerca de 300 milhões de pessoas, das quais o Brasil contribui com 100 milhões.
Cresce a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas (um aumento de 104% no governo FHC); multiplicam-se falências de pequenos e médios empresários e comerciantes; avolumam-se os cheques sem fundos. Os novos pobres são alijados do acesso à terra ou à casa própria, e gastam com o aluguel mais da metade de sua renda mensal. Serviços básicos como educação e saúde tornam-se artigos de luxo.
O BID e a ONU promoveram em Washington, em 1993, um fórum no qual Michel Camdessus, o todo-poderoso diretor-geral do FMI, admitiu: ‘Lamento reconhecer, mas a verdade é que, até agora, não fomos capazes, todos nós, de proteger integralmente os mais desafortunados diante das muitas formas de escassez e sofrimento, nessa etapa inicial do processo de ajustes.
Cinco anos depois a situação é pior. Os novos pobres são os desempregados, funcionários públicos (como os professores), aposentados, empresários falidos, jovens que não lograram inserção no mercado de trabalho. São as vítimas da revolução cibernética, os "velhos" entre 30 e 50 anos de idade, as mulheres sem qualificação profissional. Desde o governo Collor, o Brasil perdeu 2,5 milhões de postos de trabalho formal. E a economia cresceu de 28% para 51% da população economicamente ativa.
Os novos pobres expressam uma forma especial de pobreza. Não moram em favelas nem passam fome e são relativamente bem informados. Porém sobrevivem com o orçamento no vermelho, dependem de empréstimos ou ajudas familiares, não têm perspectivas de futuro e buscam nas aparências uma forma de encobrir a vergonha social.
São diferentes das camadas pobres da sociedade, integradas por quem vive na pobreza dinástica, a que passa de geração em geração. Os novos pobres usufruem seus dias de Cinderela, viajam de vez em quando, convivem com pessoas abastadas, têm certo lastro cultural. Mas seus filhos chegam ao fim do segundo grau sem idéia de que carreira seguir e o atrativo por aquilo que dá prazer costuma ser maior que o empenho por uma atividade profissional que exige esforços e sacrifícios.
Os novo pobres sentem-se condenados, não tanto à pobreza física, de escassez de bens, mas à pobreza social, de quem se sente excluído do acesso a um bem-estar progressivamente melhor.
Essa pobreza social provoca angústia e depressão, corrói valores familiares, subverte relações afetivas, induz suas vítimas à expectativa onírica de salvação miraculosa através de jogos, loterias, bênçãos e/ou atividades informais. Por não se sentirem seguros quanto ao próprio futuro, os novos pobres formam a clientela cativa de astrólogos e tarólogos, cultos neopentecostais e orixás, literatura de auto-ajuda e movimentos esotéricos.
Os novos pobres do Brasil ainda não descobriram que a saída reside na luta por conquistas sociais e políticas, através do fortalecimento da sociedade civil. Abnegados e envergonhados, esperam um lance de sorte na roda da fortuna.
Se imprimissem a seus dramas pessoais e familiares um caráter social, e convertessem a vergonha em ousadia e esperança, então criariam os movimentos dos desempregados, dos inadimplentes, dos sem-crédito e sem-cheques, dos despejados e falidos.
Ou será que eles acreditam que o governo estaria empenhado em desapropriar latifúndios e assentar famílias sem-terra se não houvesse o MST?
(*) Sacerdote e escritor
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