
ESCOLAS DO IINN ENSINAM A PENSAR
Qual o sentido em uma criança permanecer um turno inteiro em uma escola? Para aprender, é claro. A resposta pode parecer óbvia, mas a realidade do sistema educacional brasileiro é diferente. Não é raro ver notícias de alunos que após anos na escola não conseguem ler, interpretar ou escrever. Uma das exceções a essa regra tem Macaíba como cenário. Na comunidade de Jundiaí, cerca de 400 crianças, sob a responsabilidade do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN), idealizado pelo cientista Miguel Nicolelis, recebem lições diárias de como é possível transformar a realidade a partir da educação.
Aprender a pensar. Sem dúvida, essa é a principal meta da proposta pedagógica da Escola Alfredo J. Monteverde, com suas duas sedes potiguares, em Natal e em Macaíba. Idealizada e mantida pelo Instituto de Neurociências, a Escola trabalha a educação científica como ponto de partida para a formação crítica das crianças. O projeto não é de uma escola regular, com suas várias disciplinas e conteúdos fixos direcionados para o exame de vestibular. As escolas ligadas ao IINN trabalham a partir de oficinas semestrais. Cada professor escolhe um tema e, junto com os alunos, mergulham no abismo do conhecimento.
As crianças, devidamente matriculadas no ensino fundamental, do 5º ao 9º ano, chegam das escolas públicas das periferias de Macaíba e Natal. Ser de escola pública é obrigatório. Mesmo assim, os benefícios da proposta pedagógica do Instituto vão além da falta de estrutura do ensino público. Se a Escola Alfredo Monteverde tem um completo laboratório de informática, impensável em boa parte das escolas públicas do RN, esse é um detalhe dentro de um contexto maior. “Não queremos fazer comparações desfavoráveis ao ensino público, porque é justamente incentivar o público um dos nossos objetivos”, explica Dora Montenegro, diretora de Projetos e Ações Sociais do IINN.
Mais importante que a estrutura física, é o método de ensino. Na Escola Alfredo J. Monteverde, o aluno é parte ativa do processo. Imagine duas situações. Na primeira, um grupo de 50 alunos anota pacientemente o que o professor anota no quadro negro. A segunda: o professor apresenta o tema aos alunos e todos juntos, a partir de explicações ligadas ao cotidiano, discutem a matéria. A segunda é mais produtiva. E, nesse caso, não há distinção entre o público e o particular. O que está em xeque é um método de ensino.
Uma conversa com os principais interessados no processo – os alunos - dá uma ideia da revolução embutida no método. As crianças se encantam com a forma de aprendizado. Há casos impressionantes. Letícia Alves tem 12 anos. Há dois deles frequenta os bancos da Escola Alfredo J. Monteverde e, antes disso, admite que não sabia ler ou escrever. “Aprendi a ler e a escrever corretamente aqui”, diz. Quando diz “corretamente”, Letícia está consciente que ler e escrever vai além de saber encadear letras e sílabas. Ler e escrever pressupõe compreender, interpretar. O mais é analfabetismo funcional.
Um outro ponto destacado pelos alunos é a interação entre os professores e os colegas de sala. Cada aula começa com uma conversa entre todos os envolvidos. Nas aulas, a participação é efetiva e a colaboração também. Diferente das escolas regulares, a Escola Alfredo Monteverde tem alunos de idades diferentes. É possível encontrar crianças de 12 anos dividindo o mesmo espaço com adolescentes de 16 anos. “Isso é importante para que eles aprendam a trabalhar em grupo”, explica a coordenadora da Unidade de Macaíba, Cristina de Oliveira.
As crianças e adolescentes têm uma ideia muito clara das vantagens do método pedagógico das escolas do Instituto de Neurociências. Entre os pontos mais citados, estão a relação com os professores. “Eles passam por aqui e os pais chegam para nos contar como eles estão mais críticos, aprenderam a exigir os seus direitos e a cumprir com os seus deveres”.
Educação científica é o foco
Dora Montenegro faz a ressalva: “Preferimos dizer que o Instituto trabalha com educação científica a usar o termo iniciação científica”. Iniciação científica pressupõe o começo da formação de pesquisadores científicos. “O que nós fazemos aqui é incluir esses jovens, formando cidadãos críticos, a partir do ensino de conceitos da ciência moderna. Depois do curso, eles não precisam trabalhar com ciência, necessariamente. Eles fazem o que quiserem”, diferencia.
Por isso, os temas são dispostos sem a mesma rigidez das escolas regulares. O conteúdo não fica “amarrado”. Um exemplo: a oficina de Ciência e Arte, na escola em Macaíba, está trabalhando conceitos de óptica para culminar com a produção de um vídeo de animação. Eles passam o semestre aprofundando o tema e, no final, constroem alguma “engenhoca”. Na Oficina de Ciência e Tecnologia, que está estudando a aviação, várias réplicas do 14-Bis, construído por Santos Dumont, estão pendurados no teto.
Além das duas oficinas citadas, os alunos aprendem ainda Ciência e Vida e Ciência e Ambiente, ambas em Macaíba, Robótica, História, Física, Química e Biologia. Em todas, a mesma forma. Os professores elegem um tema e a partir dele os conceitos são explicados. No fim de tudo, uma surpresa: não há provas ou notas na Escola Alfredo J. Monteverde. “Poderíamos até fazer a prova e colocar a nota, mas o que realmente difere é que damos visibilidade ao processo e não ao produto”, explica Dora Montenegro.
Os alunos fazem uma auto-avaliação, no fim de cada semestre, acompanhados de uma avaliação de desempenho dos professores. Mas sem números. “A avaliação aqui é feita diariamente. Todos os dias os professores avaliam os alunos”, complementa. Como prioridade, a elaboração verbal e escrita de ideias próprias acerca dos assuntos discutidos, o trabalho em grupo, além da capacidade de relacionar os temas com o cotidiano. Em suma, pensar, entender, apropriar-se do conhecimento.
A mais direta consequência desse fato é que todo aluno “vence” nas escolas do Instituto. Por exemplo, não há distinção entre os “melhores” ou “piores”. A seleção é feita por sorteio dentro de uma fila de espera, o método “mais justo”. “Não há derrota aqui. Cada aluno aprende o quanto pode aprender. Além disso, todos eles estão capacitados a qualquer exame, inclusive o vestibular. Eles chegam em vantagem porque saem daqui sabendo que o conhecimento é para toda vida. São cabeças pensantes”, explica Dora.
O Instituto Internacional de Neurociências atende 600 alunos em Natal e mais 400 alunos em Macaíba. Ainda há uma unidade na cidade de Serrinha, estado da Bahia, com 400 vagas. Em Natal, o IINN pretende inaugurar no início do próximo ano mais uma unidade, dessa vez direcionada para alunos de Ensino Médio. Atualmente, Dora Montenegro e sua equipe procuram o melhor prédio para abrigar a nova escola, que será localizada na Zona Oeste de Natal.
Adolescente revela que a escola mudou seu destino
Se Bruna Barbosa do Nascimento, de 18 anos, pensasse em si mesma há três anos, não seria capaz de prever, nem mesmo minimamente, os caminhos que sua vida tomaria. De criança e adolescente problema no morro de Mãe Luiza, Bruna é hoje uma das mais encantadas e encantadoras, alunas da Escola Alfredo J. Monteverde. “Eu me transformei depois que vim para cá. Todo mundo que me conhece fala. Fico impressionada com o quanto eu mudei”, diz, surpresa ao pensar no próprio destino.
O início dessa mudança se deu há dois anos. Bruna foi convidada, por amigas, a se inscrever na lista de espera da Escola Alfredo J. Monteverde. Até então, admite, ela estava envolvida “com coisas erradas”. “Se eu não estivesse aqui, poderia hoje estar no crime”, conta. A infância da menina não foi fácil. “Meu pai foi preso e eu fui uma criança com muitos problemas. Tudo o que era errado me atraía, eu jogava pedras em carros, batia nas outras crianças. Até pegar em armas eu peguei”, relembra.
Hoje totalmente integrada ao cotidiano da escola, Bruna ainda não sabe o que fazer quando terminar o seu período na escola do Instituto de Neurociências. “Fico em dúvida se quero virar médica ou ser presidente da comunidade”, pondera. A “comunidade” é o quilombola de Capoeiras, em Macaíba, para onde Bruna se mudou, depois de morar em Mãe Luiza, com a mãe e o padrasto e mais sete irmãos. Ela é a mais velha, com 18 anos, enquanto o mais novo tem apenas cinco anos. A mãe de Bruna “trabalha em casa de família”, como ela mesmo define. O padrasto é agricultor. Como os pais de muitos dos jovens da escola, os dois têm a formação escolar incompleta. “Minha mãe fez o ensino fundamental e meu padrasto não foi alfabetizado”, diz Bruna.
Ela garante, e não é difícil acreditar, que não terá o mesmo destino da mãe, do padrasto, ou mesmo do pai. A garantia é visível em seu entusiasmo. A transformação ganhou uma nova grafia: Bruna. Eis o nome do Futuro.
Fonte: tribuna do norte
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