
por Manoel Leonilson Bezerra Rocha
Lomadee, uma nova espécie na web. A maior plataforma de afiliados da América LatinaNo Brasil vem crescendo de forma vertiginosa o número de segmentos religiosos e constatamos, com isso, o prenúncio de um perigo de proporções terrivelmente inimagináveis. Trata-se do risco de o país afundar-se no pântano do fanatismo religioso e o povo conduzido ao obscurantismo de um radicalismo sectário.
O terreno é propício para a instituição de uma república fundamentalista e os dois principais canais de televisão do país dão demonstração inequívoca de que o confronto religioso já vem sendo deflagrado ocorrendo, quotidianamente, em suas programações, a difusão acirrada e beligerante entre católicos e protestantes, a exemplo do que ocorre na Irlanda do Norte. Embora possa parecer uma simples e natural concorrência por audiência, a verdade é que se trata de uma competição religiosa. Esse cadinho de intrigas e disputas vem desmontando o engodo ufanisticamente construído no Brasil, segundo o qual aqui reina a tolerância religiosa e que somos uma nação onde o respeito à diversidade constitui-se a base de nossa formação étnica e cultural.
A sociedade brasileira, majoritariamente, por sua mentalidade provinciana e americanizada, incorporando a ideia segundo a qual tudo o que vem dos Estados Unidos é bom, importou o que há de pior. Foi assim com a cultura consumista, pelo pouco apego à leitura, a paixão pelos fast-food (dando início a uma geração de obesos), o culto ao silicone, festa de Halloween, etc. Dentre as bestialidades assimiladas dos Estados Unidos a que se afigura mais perniciosa é o fanatismo religioso. O modelo de pregação adotado pelos segmentos religiosos denominados neo-pentecostais, por exemplo, tem suas origens e inspirações no radicalismo de seitas fundamentalistas norte-americanas. Líderes religiosos apossam-se dos meios de comunicação de massa, em especial a televisão, e entulham nossos lares com programações que cultuam e disseminam o fanatismo, pregam o egoísmo e a alienação, incutindo na mente dos incautos a ideia de que são “enviados de Deus” e, portanto, foram “ungidos” para abençoá-los e derrotarem o “inimigo”, prometendo a salvação e a cura de todas as enfermidades e atribulações, dependendo da intensidade da fé (leia-se: contribuição ou dízimo). Assistimos o surgimento constante de novas seitas e religiões, formadas por pessoas sem religiosidade, corpos sem alma ou espírito. Ostentam adesivos em seus veículos no afã de demonstrarem não que são fraternos, bons, mas a que classe social pertencem e que a sua congregação é elitizada. Valem-se da ignorância resignada de uma grande legião de cegos e lançam-se na política, na sanha obsessiva por mais poderes. À frente do poder político, empenham-se em apresentar e aprovar projetos de leis no intuito de tipificar como crime condutas que, normalmente, não passam do plano da ideia de “pecado”, associada aos prazeres individuais e, desta forma, em especial a sexualidade das pessoas, sofre maior policiamento ou intromissões. No Congresso Nacional a bancada protestante é a mais incisiva em termos de defender a pena de morte, a prisão perpétua, pena de castração, agravamento de penas, quase sempre para os crimes relacionados aos denominados crimes sexuais e contra o patrimônio. Por outro lado, paradoxalmente, não é o segmento menos corrupto e, não raramente, temos notícias que um ou outro pastor-político é apanhado em esquema de corrupção, como o caso do “mensalão” do Distrito Federal onde um grupo de políticos evangélicos faz oração em agradecimento ao Senhor Jesus pelo dinheiro roubado. É inegável que a lei n.º 12.015, de 7 de agosto de 2009, que altera o Título VI da Parte Especial do Código Penal, ao tratar dos crimes contra a dignidade sexual, possui um forte cunho de dogma religioso, pois, apesar de algumas alterações salutares para a vida em sociedade, reflete, por outro lado, uma tendência que vem se fortalecendo, através das chamadas “bancadas religiosas”, de maior intromissão e policiamento nos comportamentos sexuais da sociedade. Esse absurdo chega a patamares tão preocupantes e esdrúxulos que é possível que um beijo possa ser apenado com maior severidade que um crime de homicídio
Há de se ressaltar que estes fatos não são uma novidade, pois, como dito, constituem-se como reflexos ideológicos do fundamentalismo. Como exemplo histórico e fonte de inspiração desses ideais, temos, por volta de 1530, na Suíça, João Calvino, que deu origem à doutrina calvinista (a predestinação, segundo a qual todas as mazelas do homem são desígnios de Deus), punia com a morte as ações humanas mais banais, ainda que fossem imanentes à própria natureza dos seres vivos, como os relacionados à libido, ao adultério, à masturbação (pobre de mim), enfim, desde que contrariassem os dogmas religiosos impostos pelo protestantismo calvinista. Como a história das civilizações é um movimento cíclico, não creio que seja exagero acreditar que a sociedade atual, que poderia ser ilustrada como o cenário dantesco descrito por José Saramago em sua obra “Ensaio Sobre a Cegueira”, não se difere daquela descrita por Platão, em “O Mito da Caverna” (399 a. C.), na qual se refere a um diálogo entre Sócrates e Glauco. Para Platão a realidade está no mundo das ideias e a maioria da humanidade vive na condição de ignorância, no mundo das coisas sensíveis, no grau da apreensão das imagens (likasia), as quais são mutáveis, corruptíveis, não são funcionais e, por isso, não são objetos de conhecimento.
O fundamentalismo é danoso por ser contraproducente, alienante, destrói as utopias, os sonhos. A ideia do determinismo aproxima-se do fascismo e foi esta a base de “justificação” para a implantação de regimes de dominação e opressão dos povos. O fundamentalismo, a exemplo do que se verifica nos Estados Unidos, é revestido de hipocrisia e paradoxo na medida em que difunde uma religião sem religiosidade, contrariam os próprios preceitos apregoados, pois, ao defender a ideia do fatalismo, está a aniquilar e suprimir do homem toda a sua potencialidade e possibilidade. Vê no homem apenas uma força produtiva, ignorando sua alma, seus sentimentos, sua condição transcendental. Cerceando a capacidade de questionar, fabricam-se alienados. Ao submeter o ser humano à obediência cega aos dogmas do poder dominante, estar-se-á aniquilando seus sonhos, suas utopias, forças propulsoras para a construção de um mundo melhor e de uma sociedade mais justa, solidária e feliz. Ao retirar do homem os seus horizontes, estar-se-á a produzir fantoches adestrados que valorizam apenas a produção de bens materiais sem se importarem com os valores humanos ou outras formas de expressão da vida. Creio que esta seja a principal causa do elevado índice de suicídios no Japão e dos reiterados surtos psicóticos que acometem crianças e adolescentes nos Estados Unidos quando invadem escolas e praticam chacinas, em seguida suicidando-se. É possível que tais comportamentos estejam associados à falta de perspectivas ou sentido de uma vida verdadeiramente feliz.
Estas são apenas algumas das mazelas sofridas por uma sociedade que marcha às cegas, aprisionada na escuridão da caverna construída e mantida por fanáticos que negam-lhe a luz e a capacidade de sonhar e ser feliz. Algozes estes que, pelo que percebemos, estão ávidos para fazerem do Brasil uma nação fundamentalista.
FONTE:http://jusvi.com/artigos/43616
Nenhum comentário:
Postar um comentário